As mulheres estão a tomar conta das adegas

Sandra Tavares da Silva, Filipa Pato, Sandra Gonçalves, Filipa Tomaz da Costa, Graça Gonçalves, Rita Marques Ferreira, Gabriela Canossa, Joana Roque do Vale, Lúcia Freitas, Susana Esteban. São estas, mas podiam ser muitas mais, as enólogas que Pedro Garcias seleccionou para traçar um retrato do vinho português no feminino. Elas entraram em força no espaço sagrado do vinho, antes reservado aos homens, mas não atribuem especial importância ao fenómeno. “Há mais mulheres no mundo do vinho como há em todas as profissões”, comenta uma delas

O mercado está cada vez mais de olho nas mulheres, produzindo vinhos que vão ao encontro dos seus gostos e sensibilidade. Mas há uma ironia nesta dinâmica: muitos dos vinhos que enchem as garrafeiras das lojas da especialidade ou das grandes cadeias de distribuição já são feitos por mulheres. Elas ainda não dominam o negócio, mas também já não estão remetidas ao seu papel mitológico de bacantes, nem fechadas apenas nas paredes de um laboratório.

Há menos de duas décadas, encontrar 10 enólogas em Portugal para uma reportagem sobre a presença das mulheres no mundo do vinho era quase uma utopia. Hoje, já somos obrigados a delimitar o grupo e a deixar muita gente de fora. Para este retrato do vinho no feminino escolhemos 10 enólogas com influência no sector, mas podíamos seleccionar muitas mais. De norte a sul do país, da Madeira aos Açores, há dezenas e dezenas de mulheres a fazer vinho. Muitas não são conhecidas, vivendo subordinadas à figura tutelar do enólogo consultor, mas há cada vez mais a assumir as tarefas da enologia sozinhas.

A história do vinho está cheia de figuras femininas lendárias. Em Portugal, nenhuma se aproximou do protagonismo que atingiu Dona Antónia Ferreira, “A Ferreirinha”, no século XIX. Foi uma pioneira, não só por ter assumido a liderança do negócio das vinhas e do vinho da família, mas também por ter sido bem sucedida. Algumas das quintas mais importantes do Douro actual, como o Vallado e o Vale Meão, são um legado seu.

As “Ferreirinhas” de hoje são Leonor Freitas, que dirige a Casa Ermelinda de Freitas (Terras do Sado), Ana Cristina Ventura, a proprietária da Herdade dos Cadouços (Tejo), Catarina Vieira, a líder da Herdade do Rocim, Luísa Amorim, a responsável pelos negócios do vinho no Douro da família Amorim (Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo), e Laura Regueiro, a matriarca da duriense Quinta da Casa Amarela. Não são as únicas, há muitas mais, embora não com a mesma relevância. Se descermos da administração para a adega, aí o panorama é outro. No espaço sagrado do vinho, ainda dominado por homens, há um acento cada vez mais feminino.

Graça Gonçalves, enóloga da Quinta do Monte d”Oiro, não atribui um significado especial ao fenómeno. “Há mais mulheres no mundo do vinho como há em todas as outras profissões. Antes não víamos mulheres na tropa, agora vemos. Antes não havia mulheres a conduzir autocarros, agora há”, diz. Graça fala de uma conquista da democracia. “Hoje as coisas acontecem mais naturalmente. Antes, só estavam no vinho as filhas ou as mulheres dos proprietários. Os homens só queriam as mulheres para os laboratórios, para estarem ali paradinhas. A minha geração [tem 42 anos] ainda sentiu isso na pele”, diz. Ela própria viveu uma experiência que espelha bem a estigmatização da mulher enóloga (ver texto ao lado).

Filipa Tomás da Costa, a directora de enologia da Bacalhôa e decano das enólogas portuguesas, acha que as mulheres do vinho estão a fazer o mesmo percurso e a sentir as “mesmas dificuldades que todas as mulheres sentem quando exercem profissões antes reservadas apenas aos homens”. “A Europa ainda é um mundo de homens”, sustenta.

Mas não valoriza muito a ideia de que as mulheres estão a afirmar-se no mundo do vinho porque são mais sensíveis. “Todos nós temos tendência para colocar um pouco do nosso gosto pessoal nos vinhos. Eu, por exemplo, não gosto de vinhos abrutalhados. Mas o importante é sempre a matéria-prima. Com um peixe mau, não podemos fazer um bom prato de peixe”, diz.

O mundo da comida vem mesmo a propósito e é revelador dos novos tempos. Até há bem pouco tempo, a cozinha estava reservada às mulheres. Agora, são os homens que mandam nos tachos dos restaurantes. No vinho está a acontecer o mesmo. Agora são elas que começam a dar cartas na adega.

 

Sandra Tavares da Silva

38 anos, Quinta do Vale D. Maria

Sandra Tavares da Silva, já mãe de três filhos, é a cara bonita da enologia portuguesa. O seu passado como modelo, durante o tempo de estudante, deu-lhe sempre uma aura especial, mas Sandra é muito mais do que uma mulher alta, bonita e simpática. É uma das melhores enólogas nacionais, responsável por alguns dos vinhos portugueses mais premiados internacionalmente. Por exemplo, o tinto CV 2008, da Quinta do Vale D. Maria, onde é a enóloga principal, foi o vinho português mais bem pontuado pela equipa de Robert Parker em 2009, com 95 pontos em 100 possíveis. O tinto Quinta do Vale D. Maria 2008 obteve 93 pontos e o Pintas 2008, vinho que faz em parceria com o marido, Jorge Serôdio Borges, conseguiu 94 pontos.

Desde que, em 1999, aterrou no Douro, para trabalhar com Cristiano Van Zeller na Quinta do Vale D. Maria, um dos parceiros do projecto Douro Boys, Sandra Tavares da Silva não tem parado de somar distinções. O Douro foi a última etapa do seu tirocínio como estagiária, depois de se ter formado em agronomia no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, e de ter feito um mestrado em enologia em Piacenza, Itália. “Já conhecia quase todas as regiões do país, menos o Douro. Um dia perguntei ao Cristiano Van Zeller se não me conseguia um estágio por lá e ele convidou-me a ir estagiar para a sua Quinta do Vale D. Maria. Fui e nunca mais saí”, conta.

Apesar de ter entrado no mundo da moda com 16 anos e de ter desfilado em Paris, Milão, Londres e Nova Iorque, Sandra nunca teve dúvidas sobre o seu futuro. “Sempre quis voltar ao mundo da terra”, garante. Ela que nasceu nos Açores e passou grande parte da sua vida em Lisboa. A sua ligação ao campo começou, desde nova, na propriedade que o avô tinha em Alcochete e que era gerida pelo pai, oficial da Marinha, mas o facto de a mãe ser suíça também pode ter tido alguma influência. Quando se reformou, o pai quis comprar a propriedade da família, para se dedicar à agricultura. Como não chegaram a acordo, resolveu comprar, em 1987, uma outra propriedade em Alenquer, a Quinta da Chocapalha, que começou a produzir os seus próprios vinhos em 2000, sob a direcção da Sandra Tavares da Silva.

A vida de Sandra já estava, porém, presa ao Douro. Em 1999 conheceu Jorge Serôdio Borges, sócio e enólogo principal da Quinta do Passadouro, e começaram logo a sonhar com um projecto conjunto. Dois anos depois, casaram e surgiu o Pintas, um dos vinhos que mais contribui para a afirmação do novo Douro. Os filhos e a compra das vinhas velhas onde é feito o Pintas, em Vale Mendiz, perto do Pinhão, vieram depois, ligando-a ainda mais à região.

Hoje, Sandra divide-se entre a Quinta de Chocapalha, a Quinta do Vale D. Maria e Vale Mendiz, sede da Wine & Soul, empresa que possui com o marido e que, além do Pintas, produz também o Guru. Se lhe pedirem para escolher o vinho a que está mais ligada, não sabe dizer. “De maneiras diferentes, todos são importantes para mim. Chocapalha é um projecto da família, que tenho com o meu pai e as minhas irmãs, mas também sinto um carinho especial pela Quinta do Vale D. Maria, pois foi onde aprendi e cresci, e pela Wine & Soul, por ser uma parceria com o meu marido”, resume. Não se pede a uma mãe que escolha o seu filho preferido.

 

Filipa Pato

35 anos, FP Wines

A Fugas encontrou Filipa Pato em Antuérpia, onde vive com o marido, o sommelier William Wouters, e o filho recém-nascido. “Quando as vinhas estão em repouso, eu também estou em repouso. Venho para cá em Novembro e regresso em Março”, explica.

Inicialmente, julgava que viver entre a Bélgica e a Bairrada iria ser complicado. “Mas não atrapalha tanto como pensava. A Bélgica é um país central e posso ir facilmente a Londres ou a qualquer outra cidade da Europa promover os vinhos”, diz.

Um dia destes, Filipa fez um flasback e assustou-se. “Já faço vinhos há 10 anos, o tempo passa depressa”. Tem 35 anos, mas já fala como se levasse uma vida entre as vinhas e adega. Em boa verdade, até leva. “Eu sempre gostei de participar na criação de vinhos. Lembro-me de trabalhar com o meu pai [Luís Pato] desde miúda e de estar na adega em todas as colheitas”, recorda.

São três irmãs – “todas tivemos a mesma educação, mas eu fui sempre a mais ligada ao vinho”, reconhece. Porém, chegada a hora da universidade, optou por Engenharia Química, seguindo o exemplo do pai. Uma das irmãs preferiu arquitectura e a outra cursou engenharia electrotécnica. µ

± Já formada, Filipa Pato quis sair de Portugal. Uma hipótese era fazer um doutoramento em Montpellier, mas, confessa, não lhe “apetecia estudar mais quatro anos”. O pai conseguiu-lhe um estágio num dos châteaux do grupo Axa, em Bordéus. “Fui na vindima de 1999, uma colheita superdifícil. Foi muito interessante ver como em Bordéus [onde cada colheita é sempre considerada a melhor de todas] actuavam perante uma má colheita”, enfatiza.

Depois, ainda estagiou na Austrália e na Argentina, antes de regressar definitivamente à Bairrada para trabalhar com o pai e começar também a fazer os seus próprios vinhos, seguindo a mesma filosofia do progenitor. Vinhos “autênticos sem maquiagem”, que reflictam o lugar onde são criados. Começou com o projecto Ensaios, nome bem adequado a uma debutante. Criou em seguida o Espumante 3b, que teve e tem um enorme sucesso. Depois lançou os vinhos Lokal Sílex e Calcário. Mas não se ficou por aqui. Irreverente e com sentido para o negócio como o pai, criou com o marido a empresa Vinhos Doidos, através da qual vendem dois brancos: o Bossa, mais fácil e perfumado, e o Nossa, mais arrojado e que tem feito uma carreira fulgurante no Brasil. “Há dias, ligou-me um sommelier do Rio de Janeiro a dizer-me que o Walter Sales [cineasta e produtor brasileiro] gostou tanto do vinho que até me quer conhecer”, conta, com orgulho. O Nossa também está à venda em Portugal e custa 25 euros.

Baga é a sua casta preferida, mas os “seus” vinhos, aqueles a que está mais ligada, são o Nossa 2009, feito de Bical, e o Lokal Sílex 2008, lote de Touriga Nacional e Alfrocheiro Preto. O primeiro é oriundo da Bairrada, o segundo do Dão.

Desde que começou a fazer vinhos, Filipa circunscreveu o seu território vitícola a essas duas regiões. Numa e noutra foi alugando vinhas e comprando uvas a alguns produtores. Ao fim de 10 anos, está prestes a concentrar-se apenas na Bairrada e a desistir do Dão. Se tudo correr bem, este ano vai poder também concretizar o seu grande sonho, que é ter as suas próprias vinhas na Bairrada. Uma delas será muito velha. Filipa anda entusiasmada (está nomeada para os prémios do ano da revista Der Feinschmecker, a mais influente da Alemanha, e acredita cada vez mais no potencial dos vinhos bairradinos). Há tempos ouviu um especialista francês defender que, para se fazer uma grande vinho, é necessário ter solos argilo-calcários, boa exposição e clima temperado. “Na Bairrada temos tudo isso”, diz.

 

Sandra Gonçalves

35 anos, Dona Maria

Há pessoas que, pela sua influência, nos determinam o futuro. Mas é menos comum que seja um dicionário a ditar uma carreira. Porém, foi exactamente isso que aconteceu com Sandra Gonçalves, enóloga responsável pelos vinhos Dona Maria, herdeira da antiga Quinta do Carmo, em Estremoz.

Quando chegou a hora de concorrer à universidade, Sandra Gonçalves ponderou alguns cursos da área de ciências e reparou num que não sabia muito bem o que queria dizer. Era enologia. Estávamos em 1994, Sandra vivia em Odivelas e não tinha qualquer ligação ao vinho. Foi ao dicionário e viu que “a definição era espectacular”, lembra. E concorreu à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real, a instituição de onde saiu a geração de enólogas e enólogos que tem vindo a mudar o panorama dos vinhos em Portugal.

Os dois primeiros anos confirmaram as suas melhores expectativas e no terceiro ano teve o primeiro confronto a sério com a profissão, quando foi fazer um estágio na Quinta da Romeira, em Bucelas. “Foi um teste à nossa capacidade, porque se trabalhava mais de 12 horas por dia e o engenheiro Cancela de Abreu [o enólogo responsável] era muito exigente”, recorda. Quando acabou o estágio, Sandra disse para si: “Seja bom ou não, tenho a certeza que é isto que quero para a minha vida”.

As certezas aumentaram no estágio de final de curso, realizado na Quinta do Vallado, no Douro – “Uma experiência extraordinária”, confessa -, e durante o ano que trabalhou com Cristiano Van zeller e Sandra Tavares da Silva na Quinta do Vale D. Maria. “Gostei muito, mas tinha 26 anos e queria aprender mais e, para isso, precisava de trabalhar noutra casa maior”, recorda.

Surgiu-lhe então a hipótese de ir trabalhar para Cortes de Cima, no Alentejo. “Hans Kristian Jorgensen [o proprietário] é um visionário, a casa produz vinhos mais comerciais mas em grande quantidade, e essa experiência foi muito importante para mim”, conta.

Entretanto, Sandra apaixonou-se por um alentejano, enólogo na Quinta do Mouro, em Estremoz, e a sua vida voltou a dar outra volta. A certa altura, o enólogo Luís Duarte – “pessoa a quem estarei eternamente grata” – sugeriu o seu nome a Júlio Bastos, que, depois de vender a marca Quinta do Carmo, estava a começar a reerguer a lendária propriedade sob o novo nome Dona Maria. Júlio Bastos vendeu a marca, hoje na posse da Bacalhôa Vinhos, mas manteve a Quinta do Carmo, uma belíssima casa apalaçada do século XVIII situada a um quilómetro de Estremoz. Plantou vinhas novas e comprou uma vinha velha, com cujas uvas eram feitos os vinhos de Alicante Bouschet antigos e que deram fama à casa e à região.

Luís Duarte era o consultor e, em 2003, Sandra Gonçalves entrou como enóloga residente. Em 2005, Luís Duarte saiu e Sandra passou a assumir a direcção da enologia da casa, que volta a estar na ribalta. Os vinhos são cada vez melhores. “Os antigos Quinta do Carmo estão agora extraordinários, mas nos primeiros cinco anos eram imbebíveis, tinham muita extracção e concentração. A ideia do Júlio é pegar no perfil dos vinhos antigos e torná-los modernos”, explica, dando como exemplo o vinho Júlio Bastos Alicante Bouschet Garrafeira 2004, o seu preferido. “O vinho não envelhece na garrafa, continua com aromas fantásticos. É muito grosso e os taninos estão muito presentes, duros mas ao mesmo tempo redondos, se é que se pode dizer isto”.

 

Filipa Tomaz da Costa

52 anos, Quinta da Bacalhôa

“Se calhar, fora a D. Antónia [a Ferreirinha], fui a primeira enóloga portuguesa”, diz, meio a brincar, Filipa Tomaz da Costa, directora de enologia da Bacalhôa Vinhos. Aos 52 anos, é a decano das enólogas nacionais.

Quando, em 1981, entrou para a vinícola João Pires & Filhos, em Azeitão, ainda não existia em Portugal nenhum curso de enologia. Filipa tirou agronomia, que era o mais parecido.

Proveniente de uma família de Vila Franca de Xira sem história vitivinícola, mantinha com o vinho a mesma ligação “de todos portugueses”. “Todos nós temos alguma relação com o vinho. A minha foi através da pequena adega que o meu avô tinha em Vila Franca de Xira e das vindimas que fazia em pequena nas vinhas da família da minha mãe, em Gouveia”, conta.

Ainda antes de terminar o curso, foi convidada a fazer uma vindima na João Pires pelo novo accionista da empresa, o também agrónomo António Francisco Avilez, que havia adquirido a maioria do capital à José Maria da Fonseca no final dos anos setenta do século passado. “Entre fazer bolos ou vinhos, preferi fazer vinhos”, lembra, sempre a rir. Fez a vindima e nunca mais saiu da casa.

Na altura, a João Pires dedicava-se ao comércio de vinho a granel. No início da década seguinte, António Avilez começou a desenvolver as suas próprias marcas. Mal entrou, Filipa assistiu ao primeiro engarrafamento do vinho Quinta da Bacalhôa. Hoje, é ela que o faz.

Passaram-se 30 anos e muita coisa mudou desde então. A João Pires foi entretanto adquirida por uma multinacional e passou a J.P. Vinhos. Prosseguindo a diversificação do portfolio, a empresa criou a linha J.P, de vinhos mais baratos, que se revelaram um sucesso comercial. O vinho J.P. é hoje a marca mais vendida em Portugal.

Em 1995, Joe Berardo entrou no capital da empresa e três anos depois tornou-se o accionista principal. Em 2000, comprou a quinta e o Palácio da Bacalhôa e a J.P. Vinhos passou a chamar-se Bacalhôa Vinhos.

Olhando retrospectivamente o seu percurso, Filipa reconhece que quando entrou na João Pires o universo do vinho era habitado quase só por homens. As poucas mulheres que havia, ou eram proprietárias ou eram filhas do patrão, e, no máximo, “assumiam a parte comercial ou o laboratório, nunca a produção”, lembra.

Filipa sentiu “os mesmos problemas que todas as mulheres que assumem profissões antes reservadas aos homens sentem”. Nos primeiros tempos os faxes chegavam-lhe muitas vezes com o nome de Filipe.

Hoje, ser enóloga tornou-se algo trivial. Só que ainda não é assim tão comum encontrar mulheres a liderar a produção de milhões de litros de vinho. Mas é nessa dimensão que Filipa trabalha. Entre as marcas como a J.P. Quinta da Bacalhôa, Catarina, Má Partilha e Cova da Ursa, entre os vinhos de mesa e os moscatéis, é responsável pela produção de mais de oito milhões de litros.

De todos os vinhos da empresa, é ao branco Quinta da Bacalhôa que se sente mais ligada, porque “é um projecto que vem desde a plantação da vinha à produção do vinho”. “E ainda estou a aprender”, diz. No entanto, os vinhos de que mais gosta são os brancos da Borgonha. “Mas são tão caros que não se podem beber muitas vezes”, lamenta.

 

Graça Gonçalves

42 anos, Quinta do Monte d”Oiro

Os vinhos da Quinta do Monte d”Oiro, em Alenquer, são a cara e a alma do seu proprietário, José Bento dos Santos. Mas desde 2005 que têm por trás o dedo de Graça Gonçalves, a directora técnica da casa.

É uma mulher, transmontana de nascença (Bragança), mas devia ser um homem. A meio da década passada, Bento dos Santos andava à procura de uma pessoa que assumisse a enologia e a viticultura da quinta e tinha na cabeça a imagem de um homem, vá-se lá saber porquê. Em conversa com um professor do Instituto Superior de Agronomia (ISA), deu-lhe conta do profissional que precisava e o professor respondeu-lhe. “Conheço essa pessoa, só que é uma mulher”. “O engenheiro Bento dos Santos quis conhecer-me, convidou-me a visitar a quinta, gostei imenso dele e acho que ele também gostou de mim e comecei a trabalhar”, recorda Graça Gonçalves. µ

±Formada no ISA em Engenharia Agro-Industrial, Graça frequentou o primeiro mestrado em viticultura e enologia daquele instituto. Antes, já participara numa investigação em polifenóis na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Da fileira agro-industrial, “o vinho era o que pedia mais” dela, explica.

Durante o mestrado, trabalhou em microbiologia de contaminação de vinhos com o professor e enólogo Virgílio Loureiro e participou no desenvolvimento de um meio de cultura diferencial para a detecção de leveduras do género Dekkera/ Brettanomyces, o qual tem sido comercializado um pouco por todo o mundo.

A primeira experiência como enóloga deu-se em 1994, com a casta Arinto, em Bucelas. Trabalhou depois durante alguns meses na Adega Cooperativa de Arruda dos Vinhos, antes de entrar como professora assistente na Escola Superior Agrária de Santarém, onde leccionou tecnologia de vinho e enologia durante oito anos. Nesse período, foi responsável pela adega da escola e manteve-se sempre ligada à produção. “Nós fazíamos vinhos para alguns produtores e dávamos consultoria a outros”, lembra.

Quando estava a iniciar o doutoramento, surgiu o convite da Quinta do Monte d”Oiro e Graça Gonçalves não quis perder a oportunidade de trabalhar para uma pessoa de quem era admiradora e cujos vinhos já apreciava. “Era quase um sonho”, confessa.

Nos primeiros tempos, Graça ainda contou com o apoio de Luís Carvalho e do filho, Tiago Carvalho, mas, a partir de 2006, passou a assumir sozinha a enologia da quinta, embora com o apoio pontual de Grégory Viennois, director técnico da Maison M. Chapoutier. Um dos grandes vinhos da quinta, o tinto ex-aequo, é, de resto, uma parceria entre Bento dos Santos e Michel Chapoutier, uma das estrelas da enologia francesa.

Mas o vinho que Graça Gonçalves mais gosta, pelo gozo que lhe dá a sua elaboaração, é o branco Madrigal, feito de Viognier. “É um vinho muito difícil de fazer. Num tinto é mais fácil fazer a pontaria. O vinho sofreu algumas mudanças e julgo que agora está melhor”, diz.

 

Rita Marques Ferreira

28 anos, Conceito

Se a vida seguisse o seu curso normal, Rita Marques Ferreira devia ser hoje engenheira civil e, quem sabe, professora na Universidade de Coimbra. Os pais são formados em engenharia civil e dão aulas nesta universidade. Rita estava destinada a seguir-lhes as pisadas, mas, para não ter os pais como professores, decidiu entrar num ramo diferente da engenharia, a mecânica. Ainda frequentou o curso durante dois anos: “Não gostei e decidi mudar para enologia”, conta.

Os pais não gostaram muito da ideia. “Eles achavam que enologia não era bem um curso. Depois habituaram-se”, recorda. O facto de a família de Rita, por parte da mãe, possuir vinhas em Cedovim, no concelho duriense de Vila Nova de Foz Côa, ajudou a atenuar a frustração dos pais e pode ter contribuído para a decisão da filha. Mas o que determinou mesmo a escolha de enologia foi a circunstância de “ter começado nessa altura a gostar de vinho”, diz.

Rita Marques Ferreira tinha 21 anos quando se mudou de Coimbra para a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real. A primeira vindima que fez, a meio do curso, foi na Quinta do Passadouro, junto ao Pinhão, com o enólogo Jorge Serôdio Borges, o criador do vinho Pintas, entre outros. A segunda foi na Quinta de Nápoles, com Dirk Niepoort. Fez a terceira no Château Montelana, na Califórnia, e entrou depois no programa Erasmus para cumprir o último ano de curso em Bordéus, onde teve como professor Denis Dubourdieu, um dos mais reputados enólogos franceses. Além de consultor em mais de 30 empresas, Dubourdieu tem os seus próprios châteaux na região de Bordéus e Rita fez vindimas num deles, o château Reynon. “Foi, de longe, o melhor enólogo com quem já trabalhei”, confessa.

Mas Rita não desvaloriza as suas incursões ao Novo Mundo do Vinho (além da Califórnia, onde encontrou enólogos franceses, estagiou na Nova Zelândia e na África do Sul), nem a sua experiência iniciática no Douro. Do contacto com Jorge Serôdio Borges e Dirk Niepoort ficou “com a certeza que era aquilo [fazer vinhos] que gostava e que queria fazer”, diz. Jorge Serôdio Borges ajudou-a, de resto, a fazer o seu primeiro vinho, quando tinha 23 anos. Chamou-lhe Pangeia, mas não lhe deu continuidade, uma vez que a marca já estava registada por outro produtor.

Entretanto, com a morte do avô, a mãe de Rita assumira a gestão da quinta em Cedovim. Em 2005, as duas lançaram o projecto Conceito, a marca principal da sociedade familiar e que, explica a enóloga, é usada para os vinhos que lhes “apetece fazer” e que tentam vender. Um deles é o tinto Bastardo, uma casta mal amada no Douro mas com potencial. Para os vinhos mais fáceis de beber e de vender, foi criada a marca Contraste.

Os primeiros vinhos, cerca de 10 mil garrafas, começaram a ser comercializados nesse ano. Em 2010, a produção atingiu as 150 mil garrafas e a ambição é chegar “às 400 mil”. Aos 28 anos, Rita Marques Ferreira conquistou já o seu lugar na enologia do Douro e do país, confirmando-se como uma das mais talentosas enólogas da sua geração.

No ano passado, Rita regressou à Nova Zelândia, para fazer o seu próprio vinho, um branco de Sauvignon Blanc com a mesma exuberância aromática que a casta atinge naquele país mas com mais volume e estrutura. Produziu 25 mil garrafas, que começaram recentemente a ser comercializadas no mercado nacional. Na semana passada, viajou até à África do Sul, onde vai repetir a experiência, desta vez com um tinto. A esta hora, já deve estar a vindimar.

 

Gabriela Canossa

37 anos, Quinta da Revolta

O late harvest Grandjó, da Real Companhia Velha, será sempre um dos vinhos da vida da enóloga Gabriela Canossa, portuense de 37 anos. É um dos brancos doces mais conceituados do país e a sua fama remonta a 1925, quando a família Silva Reis produziu um branco a partir das castas Sémillon e Sauvignon Blanc que viria a revelar-se eterno. Algumas garrafas desse vinho permaneceram esquecidas nas caves da Companhia durante décadas e quando foram descobertas, 85 anos depois, o vinho estava formidável.

Essa descoberta levou a Real Companhia Velha a repetir a experiência em 2002, quando Gabriela Canossa era responsável pela Fine Wine Division da empresa. O sucesso foi enorme e a Real voltou a produzir o Grandjó, sempre em pequenas quantidades, em 2004, 2005, 2006 e 2007.

Gabriela Canossa esteve ligada às primeiras três colheitas. Em Junho de 2006, saiu da empresa, colocando um ponto final a uma relação de sete anos. A enóloga entrou na Real Companhia Velha para substituir Jorge Moreira, que havia saído para fazer o seu próprio vinho no Douro, o Poeira, e assumir a enologia da Quinta de La Rosa. Em 2010, Jorge Moreira regressou à Real como responsável máximo pela enologia da empresa e que antes era assegurada pelo americano Jerry Luper.

Da sua passagem pela Companhia, Gabriela Canossa traz ainda a satisfação de ter sido responsável também pelo lançamento do vinho Quinta do Cidrô Pinot Noir e a experiência de trabalhar numa empresa que vendia mais de oito milhões de garrafas. Agora, é coordenadora do painel de provas da revista Wine Passion, está a criar, de raiz, um arrojado projecto no Douro para um empresário e responde pelos vinhos de três produtores – Casas Altas (Beiras), Quinta do Vale de Bragão e Quinta da Revolta (Douro)-, que, em conjunto, não produzem mais do que 250 mil garrafas.

Ironia do destino, um deles, a Quinta do Vale de Bragão, situada em Sabrosa, esteve na origem, há 20 anos, da sua decisão de se dedicar à enologia, quando “já estava formatada para ser artista plástica”, recorda. Gabriela tinha seguido a via das artes durante o secundário, mas, a dada altura, sentiu “a necessidade do contacto com a natureza” e decidiu “ir estudar para a Escola Agrícola de Santo Tirso”, conta. Foi nesta cidade que conheceu o médico Asdrúbal Mendes, numa consulta, e que, em conversa, lhe perguntou se tinha conhecimento da abertura do curso de enologia, em Vila Real. Gabriela não sabia, mas ficou interessada. Mal acabou a regência em agro-pecuária, inscreveu-se na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, onde fez o curso de enologia.

Durante o curso, estagiou na Taylor”s. Já licenciada, abriu uma galeria de arte em Vila Real e foi fazer uma vindima à Real Companhia Velha. E ficou sete anos. Durante este período, os seus caminhos voltaram a cruzar-se com os de Asdrúbal Mendes, que vendia uvas para aquela empresa. Quando Gabriela Canossa deixou a Real, a Quinta do Vale de Bragão deixou também de trabalhar com a família Silva Reis e contratou a enóloga. “O dr. Asdrúbal costuma dizer que que é como o Zandinga e que havia preparado a minha ida há 20 anos, quando me falou no curso de enologia em Vila Real”, graceja.

Gabriela não tem dúvidas que aquela consulta em Santo Tirso foi decisiva para o rumo que a sua vida tomou. “A minha família não tem nenhuma ligação ao vinho, é uma cambada de urbano-depressivos”, diz. A galeria de arte ainda esteve aberta durante cinco anos.

 

Joana Roque do Vale,

37 anos, Roquevale

A ligação de Joana Roque do Vale ao vinho vem desde a infância, em Torres Vedras, onde os bisavôs já eram produtores. Mas o momento que determinou o futuro da família deu-se em 1976, na ressaca da revolução de Abril, quando o pai de Joana, Carlos Roque do Vale, deixou de estudar e trocou Torres Vedras pelo Redondo, para tomar conta das propriedades do sogro, as herdades do Monte Branco e da Madeira (cerca de 200 hectares no total). Três anos depois, Carlos tornou-se presidente da Adega Cooperativa do Redondo e em 1983 criou uma sociedade com o sogro. µ

± Nascia, então, a Roquevale.

Em 1989, Carlos deixou a presidência da adega e dedicou-se a tempo inteiro à empresa, que, nesse ano, inaugurou a sua própria adega e lançou as marcas Terras de Xisto, Tinto da Talha e Redondo. O sogro saiu entretanto da sociedade e, no seu lugar, entrou um primo direito da mãe, Clara Roque do Vale, que, também em 1989, foi nomeada pelo Ministério da Agricultura para presidir à novel Comissão Vitivinícola Regional Alentejana. Clara era funcionária da Direcção Regional de Agricultura do Alentejo e ficou à frente da Comissão até 2001.

Quando a Roquevale lançou os seus primeiros vinhos, Joana estava prestes a terminar o secundário e a entrar em engenharia agro-industrial, na Escola Superior Agrária de Beja. “Em Torres Vedras, andava entre as vinhas e a adega. No Alentejo, continuei a andar entre as vinhas e a adega. Nunca pensei em mais nada”, diz, justificando a opção.

O estágio curricular foi feito na Herdade do Esporão, onde teve como coordenadores o engenheiro Rosário do Colaço, um dos mais reputados técnicos de viticultura nacionais, e o enólogo Luís Duarte, que também era consultor da Roquevale. Em 1995, Joana concluiu o curso e começou trabalhar na empresa da família, fazendo de tudo. “Era analista, adegueira, puxa mangueiras. Fui pau para toda a obra”, lembra.

No ano seguinte, Luís Duarte deixou de ser consultor e Joana passou a assumir sozinha a enologia da Roquevale, cargo que continua a exercer. Quando chegou à empresa, a produção andava à volta das 300 mil garrafas. Hoje, a Roquevale comercializa mais de três milhões de litros de vinho. É a segunda maior empresa privada do Alentejo.

Há cinco anos, a Roquevale sofreu grandes alterações. Carlos Roque do Vale manteve-se como sócio mas abandonou a direcção da empresa, que passou a ser liderada por um gestor externo. Em 2000, pai e filha, juntamente com um amigo, tinham, entretanto, comprado 65 hectares de vinha em Pias e criado a empresa Monte da Capela. Depois de reestruturarem as vinhas, construíram uma adega, que começou a laborar em 2010. Sob as marcas Terras de Pias, Herdade da Capela, Monte da Capela e Adega de Pias, esta sociedade já comercializa cerca de 800 mil litros.

Joana, que vive desde o ano passado em Vila Real (vai todas as semanas ao Alentejo), faz os vinhos das duas empresas e é ainda responsável pelo mercado externo de ambas. “É um desafio muito grande fazer tanto vinho numa base de consistência de ano para ano. E tenho muito orgulho em fazer vinhos para todos os momentos, dos 2 aos 20 euros”, diz. Qualquer enólogo faz um bom vinho de garagem. O mais difícil é fazer vinhos de grande volume com uma boa relação qualidade/preço. Joana consegue-o e esse é o seu grande mérito.

 

Lúcia Freitas

31 anos, Dão Sul

Quem nasce no interior tem sempre uma ligação à vinha e ao vinho. Quase toda a gente possui umas videiras, nem que seja a bordejar o quintal ou como ramada à porta de casa. Em Carregal do Sal, onde nasceu, Lúcia Freitas tinha como referência a pequena quinta do avô, pouco mais de dois hectares de vinha, onde descobriu a beleza e a dureza do ritual das vindimas.

Não foi uma vivência marcante, daquelas que definem um destino. Quando chegou a hora de entrar na universidade, Lúcia só contemplava três opções: matemática, física ou química. As duas primeiras reservavam-lhe uma carreira como professora, a última abria-lhe mais perspectivas de trabalho. E foi com este raciocínio que se matriculou em engenharia química, na Universidade de Coimbra.

Quando terminou o curso, foi trabalhar para um laboratório, mas percebeu depressa que passar a maior parte do tempo fechada entre quatro paredes e pipetas não era o que imaginava para a sua vida. Saiu e foi trabalhar para a empresa Dão Sul… mas para o laboratório. Explicou que não era bem aquilo que gostava de fazer e, logo no primeiro ano, deixaram-na fazer a vindima. Foi em 2005.

Desde então, nunca mais parou de subir na hierarquia da empresa. Em 2006, já era a coordenadora da adega da Quinta de Cabriz. Em 2008, juntamente com Carlos Rodrigues e Carlos Lucas, o enólogo principal e administrador da Global Wines, a que pertence a Dão Sul, passou a ser responsável por todas as adegas do grupo em Portugal: Quinta de Cabriz, Casa de Santar, Quinta do Encontro, Herdade Monte da Cal, Quinta das Tecedeiras e Encostas do Douro. O seu trabalho, explica, “é coordenar os enólogos mais jovens e provar e definir os lotes com Carlos Rodrigues e Carlos Lucas, a quem cabe a última palavra”. “Antes, estava mais no terreno, agora faço um trabalho mais de coordenação”, explica.

Em 2009, Carlos Moura e Casimiro Castro, que, com Carlos Rodrigues e Carlos Lucas, formavam o núcleo duro da Dão Sul e inspiraram a criação de um vinho com a designação Quinta de Cabriz Four C, saíram da empresa. A marca estava criada e era um sucesso. A forma de a manter foi encontrar uma nova narrativa. A designação Four C deixou de estar associada aos quatro responsáveis com nomes começados por “C” e passou a corresponder às quatro enólogas que trabalham actualmente na Dão Sul, com Lúcia Freitas à cabeça. É por isso que, quando se lhe pede que indique o vinho a que está mais ligada, refere de imediato o branco Four C, do Dão. A partir de 2008, o vinho passou a ser feito apenas pelas enólogas da casa. “Deram-nos largas para fazer o que quiséssemos”, diz, e o resultado tem sido muito elogiado. O Four C 2009 é um dos melhores brancos do Dão.

Dos vinhos que provou nos últimos tempos, Lúcia Freitas destaca o tinto duriense Vale Meão 2004. “Perfeitíssimo, sem arestas”, resume. Mas, se um dia vier a fazer o seu vinho, será no Dão. Não só por razões efectivas, mas porque, sobretudo em brancos, “tem um potencial imenso”. “O Dão está subaproveitado, há poucas empresas a fazer bons vinhos, mas, mesmo assim, os melhores vinhos brancos do país têm sido feitos nesta região”, defende.

 

Susana Esteban

41 anos, Solar dos Lobos

Os galegos estão intimamente ligados à história do Douro. Foram eles, juntamente com hordas de assalariados vindos das Beiras e de Trás-os-Montes, que ergueram grande parte da paisagem vinhateira classificada como Património Mundial pela UNESCO, em 2001. Aos galegos era reservado o trabalho mais duro e o seu heroísmo ainda hoje é recordado com a frase “trabalhas que nem um galego”.

Mas os tempos mudaram e, nos últimos anos, alguns galegos regressaram ao Douro como donos de quintas importantes da região. Os primeiros foram os banqueiros da Caixanova, de Vigo, que em 1998 compraram uma parte do capital da Sogevinus, sociedade que detinha uma participação maioritária sobre a A.A. Cálem & Filhos S.A. Hoje, a Caixanova é proprietária de algumas das mais tradicionais empresas de vinho do Porto, como a Barros & Almeida, Kopke e Burmester. Em 1999, foi a vez da empresa Proinsa, da Corunha, investir também no Douro, com a compra da Quinta de Ventozelo. Ainda antes destes dois investidores, já tinha chegado ao Douro uma Galega de Tui, Susana Esteban, que viria a ter um papel importante no desenvolvimento e afirmação nacional e internacional dos vinhos de mesa da região.

Porém, foi pelo vinho do Porto que Susana começou. Licenciada em química, fez o mestrado em viticultura e enologia na Rioja e, quando ganhou uma bolsa para fazer um estágio num país da União Europeia, optou por Portugal e pelo Douro. “Interessava-me o vinho do Porto e, em 1996, fui estagiar para a Sandeman [quando esta era ainda uma empresa familiar]”, recorda. Nesta empresa, tomou contacto com todas as fases da produção do vinho, a começar pelo ritual das vindimas no Douro. “Fiquei impressionada com a região”, diz. Terminado o estágio, regressou a Espanha.

Um dia, viu no jornal um anúncio da Quinta do Côtto, de Miguel Champalimaud, que procurava um director de produção. Susana concorreu e foi escolhida. Estávamos em 1999. “Gostei muito de trabalhar com Miguel Champalimaud”, conta. Ficou por lá durante três anos e, em 2002, a família Roquette convenceu-a a mudar-se para a Quinta do Crasto, onde Susana viveu os seus anos de glória. “Foi uma experiência determinante”, assegura. Pela enóloga galega passaram alguns dos vinhos que tornaram mundialmente famosa a Quinta do Crasto e ajudaram à “revolução tranquila” dos vinhos de mesa do Douro.

Mas a vida é feita de decisões difíceis e, em 2007, após ter casado com o crítico de vinhos e cronista da Fugas Rui Falcão, Susana colocou os interesses familiares em primeiro lugar e, “com muita pena”, diz, trocou o Douro por Lisboa. Desde então, Susana deixou de ser enóloga residente e passou a ser apenas consultora. Actualmente, está ligada a cinco projectos no Alentejo: Solar dos Lobos, Monte dos Cabaços, Tiago Cabaço Wines, Perescuma e Azamor. “Estou a adorar. Tem sido um desafio interessante”, adianta. O Alentejo não é o Douro e Susana já não tem a mesma visibilidade que tinha quando, através do Crasto, fazia parte dos Douro Boys. Mas os portugueses ainda vão ouvir falar muito dela. Susana não é uma enóloga qualquer. Aos 41 anos, faz parte do grupo dos melhores. 2010, a produção atingiu as 150 mil garrafas e a ambição é chegar “às 400 mil”. Aos 28 anos, Rita Marques Ferreira conquistou já o seu lugar na enologia do Douro e do país, confirmando-se como uma das mais talentosas enólogas da sua geração.

No ano passado, Rita regressou à Nova Zelândia, para fazer o seu próprio vinho, um branco de Sauvignon Blanc com a mesma exuberância aromática que a casta atinge naquele país mas com mais volume e estrutura. Produziu 25 mil garrafas, que começaram recentemente a ser comercializadas

 

Fonte: Público

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